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Uso da Testosterona sintética e os efeitos sobre a fertilidade

Rodrigo Spínola*

Nos últimos anos, tem-se observado um aumento significativo do uso suplementar de testosterona exógena (sintética) na população masculina como um todo. O principal hormônio masculino é de grande importância para a saúde e bem-estar do homem, pois influencia uma variedade de funções corporais, como a função sexual, massa muscular, humor e até mesmo a saúde cardiovascular. Mas o seu uso sem respeitar as corretas indicações e contra indicações, pode ter consequências importantes.

Entre os mais velhos, o uso da testosterona principalmente como reposição hormonal, quando os níveis estão comprovadamente baixos e o paciente apresenta sintomas em decorrência disso, sua suplementação é uma condição prevista e regular para a prescrição do hormônio. Porém, o que mais tem preocupado as sociedades médicas é o uso entre os mais jovens, que está quase sempre relacionado a fins estéticos, onde o objetivo é alcançar padrões idealizados de masculinidade. Vale ressaltar que essa é uma faixa etária em idade reprodutiva e que na sua grande maioria ainda não tem prole constituída, e o uso pode ter consequências dramáticas no seu potencial fértil, além de outras complicações para a saúde como um todo.

Diante disso, em 30 de março de 2023, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu os médicos de prescreverem a testosterona para fins estéticos (ganho de massa magra, perda de peso etc.), uma tentativa de tentar impedir esse uso desenfreado. Portanto, o uso de testosterona no Brasil para fins estéticos é considerado indevido, independentemente da dose ou período utilizado.

Mas como a testosterona interfere na fertilidade e saúde do homem em geral, se ela é produzida naturalmente pelo corpo masculino? A resposta é bem simples: o uso de testosterona exógena ou qualquer outro esteroide anabolizante, provoca o que chamamos de bloqueio do eixo hipotálamo-hipófise-testicular. Ou seja, aumento

rápido nos níveis sanguíneos de testosterona, manda um “feedback” para o organismo parar sua produção endógena (do próprio corpo). Esse comando faz com que a hipófise (glândula do sistema nervoso central) interrompa a produção de hormônios gonadotróficos, como o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo-estimulante (FSH).

Esses hormônios são fundamentais para a espermatogênese, pois normalmente agem nos testículos, o LH induzindo a produção de testosterona, e o FSH induzindo a produção de espermatozoides. Porém, como eles estão suprimidos durante o uso da testosterona exógena, esse estímulo para de ocorrer, e os testículos param de produzir a sua testosterona natural e também os espermatozoides. Como consequência, os espermatozoides diminuem muito sua concentração no ejaculado ou até mesmo zeram, o que chamamos de azoospermia (ausência de espermatozoides no ejaculado).

Além do prejuízo em relação à quantidade, a qualidade seminal também é comprometida com esse desequilíbrio hormonal. Alterações na morfologia, motilidade e fragmentação do DNA espermático também são observadas em homens que fazem uso constante de testosterona exógena. Essas alterações podem comprometer significativamente a capacidade reprodutiva masculina, tornando a concepção muito difícil, seja de forma natural ou por algum método de reprodução assistida.

Independentemente se a pessoa faz uso como reposição hormonal, utilizando doses fisiológicas, que é uma condição regular do uso de testosterona, ou se faz uso indevido, com altas doses para fins estéticos e anabolizantes, esse impacto negativo pode ocorrer. Portanto, não existe dose segura para o uso de testosterona exógena, quando o assunto é fertilidade.

De uma forma geral esse quadro pode ser revertido e o paciente voltar a ter o seu potencial fértil, mas vai depender de alguns fatores, entre eles a substância utilizada, as dosagens e, principalmente, o tempo de uso. Quanto maior a dose e o tempo, maiores são os impactos na espermatogênese e, portanto, menores são as chances de sucesso na reversão do quadro.

Além disso, estudos recentes têm demonstrado que os efeitos adversos sobre a fertilidade podem persistir mesmo após a interrupção do uso da substância, o que ressalta a importância da conscientização sobre os riscos envolvidos. Se você está em uso e deseja ainda constituir prole, a primeira recomendação é interromper imediatamente o uso da suplementação e procurar um especialista para te ajudar. Muitas vezes são necessárias medicações para acelerar esse processo. Em suma, é essencial que profissionais de saúde e indivíduos interessados em suplementação hormonal compreendam os potenciais impactos sobre a saúde reprodutiva e busquem alternativas que promovam o bem-estar sem comprometer a fertilidade futura de homens.

No entanto, infelizmente, o que muitas vezes observamos na prática são pacientes que buscam resultados rápidos e milagrosos, sem fazer ideia dos riscos associados, particularmente no que diz respeito à infertilidade. E de outro lado, alguns profissionais médicos e não médicos que também não têm o conhecimento que deveriam ter para manejar tais pacientes. Pois, além do efeito na fertilidade, a testosterona e outros esteroides anabolizantes trazem outros impactos à saúde que precisam ser acompanhados rotineiramente. A educação e a conscientização são ferramentas essenciais para mitigar esses riscos e promover escolhas mais saudáveis e informadas por toda a população, principalmente os jovens que no futuro almejam ter filhos.

*Rodrigo Spínola é urologista e andrologista da clínica Origen BH e especialista em medicina sexual e infertilidade masculina

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